domingo, 31 de agosto de 2008

FRAGMENTOS DO MEU NOVO LIVRO: ESCOLAS & HOSPÍCIOS - ENSAIO SOBRE A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA LOUCURA


...E quanto a criança, o ponto central de todas as preocupações aqui descritas é absolutamente necessário se repensar todas as dimensões da educação formal. Incluindo as necessidades, desejos, angústias e sofrimentos da criança durante o acontecer educativo e os seus resultantes para toda a sua vida. Queremos enfocar aqui uma questão crucial que é a da liberdade na educação. A liberdade para aprender. E, sendo liberto, o indivíduo irá aprender a viver livre. Ao meu ver, a maior, a única grande meta da educação enquanto ciência e prática social viva e contextualizada.
O mais grave e constante dos problemas da educação, principalmente, em relação à criança que estuda é precisamente o de torná-la compatível com a liberdade a que tem direito toda pessoa humana. Segundo Mira Y López (l966), se deixássemos a criança fazer tudo quanto deseja e deixar de fazer tudo que deveria fazer, cresceria ela como um selvagenzinho, incapaz, bem cedo, de viver em sociedade. Se pelo contrário, a submetêssemos à nossa obediência e disciplina e a tornamos exatamente como desejamos que seja, cerceríamos sua iniciativa, sua autonomia, criatividade e individualidade e, até certo ponto, estaríamos cometendo um crime mental e moral.
Onde marcar o ponto de separação, a fronteira entre a disciplina, a obediência, a norma e a anarquia? Entre a submissão e a liberdade é a tarefa mais difícil que, a cada instante enfrentam todos os que têm a responsabilidade de ajudar as crianças e os adolescentes a serem bons jovens e adultos.
André Berge (l 965) nos diz que para as crianças não se pode aplicar as diversas acepções filosóficas que para o adulto representa a palavra liberdade. A criança é livre quando sente que é. E isso lhe ocorre sempre que possa comportar sem reprimendas e de modo espontâneo, respeitando apenas os seus próprios instintos de ação. Logo que o adulto intervém nesta espontaneidade, com advertências, conselhos, ordens e proibições, ou, simplesmente, com a sua presença de observador, juiz ou fiscal, a criança sente-se coibida e perde a sua liberdade, inclusive se o adulto a estimula ou a anima a comportar-se livremente.
Ainda segundo o mesmo autor é muito freqüente que a criança se retire com “cara de poucos amigos”, quando seus pais, para afastá-la um pouco, dizem-lhe: “vá brincar... e não nos atrapalhe”. Existe, não obstante, uma possibilidade de que qualquer criança se sinta livre na presença do adulto: isto ocorre quando a façamos esquecer desta nossa condição. Nós a deixamos tomar iniciativas e se incorporar como nossa auxiliar ou companheira em nossos jogos, atividades ou conversas. Então veremos, imediatamente, transformar o semblante da criança. Surgem nele uma alegria e um entusiasmo até então ignorados que irão aumentando ao passo em que o adulto se deixa levar pela vontade infantil. E não o contrário, como ainda hoje, mesmo sendo um absoluto horror, continua a acontecer.
Ainda para Berge (1 965), o sentimento de liberdade se assemelha ao sentimento de bem-estar. Pode-se dizer que é um dos seus elementos principais. No grau mais elevado corresponde ao real. Não diremos então que é uma impressão ilusória, mas sim, a consciência de uma harmonia, da combinação de diferentes partes e nós mesmos, primeiramente, entre elas e depois, com o mundo que as rodeia.
Enfim, a criança tem liberdade e deve sentir-se livre sempre de modo espontâneo, natural e unitário. Se souber o que quero, se quero isto e não vejo obstáculos para consegui-lo, então me sinto completamente livre e triunfante e a repetição desta sensação ao longo da vida é que irá demarcar o tipo de personalidade que, por sua vez, possibilitará conquistas pessoais e vitórias nas lutas da vida.
Mas, se dentro de mim lutam impulsos contraditórios – como os que as escolas geralmente impõem às crianças que as freqüentam – levando o que eu quero a parecer-me com objetivos inconciliáveis, ou se, finalmente, encontro e enfrento resistências, obstáculos e proibições; ordens ou vontades “superiores” que me coíbem, limitam ou me impedem de agir com eficiência ou naturalidade na obtenção dos meus objetivos, então acabou para mim, enquanto perdurar esta situação, o sentimento de liberdade.
O pior é que a cada repetição deste fenômeno, as marcas psicológicas vão se tornando mais densas e profundas. Alterando para sempre a personalidade da pessoa neste sentido. O que interfere diretamente na construção de opressores e oprimidos, de exploradores e explorados e constitui a marca dialética da história em todos os tempos e dimensões do mundo.
Referendando, assim, a dinâmica do poder e com ela, as simbologias e verdades da maldade humana. Maldade esta que se faz viva e presente em muitas das relações, formais ou informais. Mesmo naquelas que envolvem o calor, a intimidade, o carinho, a dedicação, o sentimento de família. E, na educação, é óbvio, que ela está politicamente forte e presente. Suscitando, assim, cuidados mais que especiais para enfrentá-la e vencê-la. Principalmente, quando lidamos com crianças incautas e indefesas.
A liberdade, para a criança, não consiste apenas em um “laissez-faire”absoluto, em virtude do qual sua evolução se efetue sob a desordenada pressão de seus impulsos instintivos, sem assegurar o desenvolvimento harmonioso de todas as suas potencialidades: instintivas, espirituais, práticas, estéticas, culturais, ecológicas, políticas, altruístas e egoístas como as de qualquer ser humano normal. Nesta análise, os educadores deverão renunciar a toda forma de coação mecânica ou moral. Quer dizer, da imposição das suas vontades, pelo simples fato de que são suas. Ou impostas por uma instituição iníqua e desconhecedora da sutileza psicológica humana e, principalmente, da criança. Nunca devemos obrigar a criança a fazer tal ou qual coisa “porque sim”. Ou porque assim o queremos e ponto final. Isto leva ao crime do abuso da autoridade que deixa implícita a sua perda em um muito curto espaço de tempo.
A criança deve, na escola, entender que a liberdade implica em responsabilidade. Para o quê, ela deve ser agente das decisões tomadas como solução de pequenos e grandes problemas. Ela não sabe, mas o instinto humano dita as regras quando o sentido político é desrespeitado. E a educação é um ato eminentemente político o tempo todo.
É preciso que a criança sinta e cumpra a necessidade de escolher, de optar e de ser orientada para arcar com as conseqüências. Embora amparada e assistida com amor, carinho, afeto, compreensão e mãos estendidas para que segure na hora certa. As chances – que são geralmente poucas – para se realizar e para aprender a ser feliz. Equando elas ocasionalmente acontecem, vem o adulto insensível e desinformado e a retira em nome da ordem, da disciplina dos "bons princípios".
À criança, igualmente, devem ser transmitidos o sentimento e a noção de solidariedade e interdependência. E não, vinculando a sua liberdade ao medo, à preguiça ou à hostilidade contra o direito de outras pessoas. É preciso legitimar esta mesma igualdade, de trocas, de diálogos, da possibilidade de dizer, conquistar, agir, questionar as coisas quando elas não a agradam por completo. É mais que necessário que a educação seja um ponto de articulação do mais absoluto bom-senso no exercício e na conquista da liberdade. Só construindo o ser livre em essência é que poderemos começar a pensar a constituir os elementos complementares da educação, da cultura, do conhecimento científico e sistematizado. Bem como, o seu uso e aplicação fundamentados na ética e na conquista política de uma melhor história de vida para o indivíduo, a sociedade e todo um mundo natural que o cerca (Smolka, 2000).
O estudante, se está desmotivado, sem vontade de fazer as coisas da escola, é indolente e tem dificuldades para cumprir suas obrigações escolares, em princípio, a culpa não é dele. Mas da escola ou do professor. Se você vai a um bom e caro restaurante, por exemplo, e não gosta do prato que foi servido. Porque apresentou muito ou pouco sal, não foi assado, frito ou cozido o suficiente e isto o aborrece, o deixa chateado ou o leva a reclamar? A culpa não é sua. Mas de quem gerencia e executa as funções culinárias. Pois bem, este mesmo princípio se aplica à criança, ou melhor, ainda, ao aluno na escola. Ele não é o profissional. Não foi preparado para isso. E, simplesmente, é o usuário dos serviços prestados e deveria recebê-los da melhor forma possível.
É da escola a obrigação de motivar o aluno. De assegurar sua presença e seu rendimento escolar e desenvolvimento humano, social e cultural como um todo. Ela e seus agentes é que devem ultimar providências e recursos para que o trabalho educativo tenha a melhor qualidade possível. Que seja atrativo, lúdico, interessante e, afinal de contas, produtivo.
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Antonio da Costa Neto - fragmentos do livro: Escolas & Hospícios - ensaio sobre a educação e a construção da loucura. Ed. Kelps, 2008 - Goiânia - Go.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

COM CAETANO VELOSO EU GOZO EM PÓ...


Pra cantar e se encantar com as delícias de Caetano em verso e prosa:
"Muito é muito... É muito pouco..."

(Caetano Veloso)

Um amigo meu, baiano e gay (não necessariamente nesta ordem) um dia me veio com esta. De gozar em pó com Caetano Veloso, listantando, para isso uma série infinita de qualidades, com as quais concordo principalmente com as seguintes:
Caetano Veloso é tudo de bom. (embora eu pessoalmente considere esta expressão meio. Meio brega, meio puta, meio vulgar, meio pobre). Mas Caetano Veloso é tudo de bom mesmo na fina conotação da palavra. Se não fosse compositor, já seria um cantor muito agradável e seu forte é a composição de coisas lindas, maravilhosas, deleitantes. É carismático, bonito, cheio de ginga. E ao que me parece, um ser humano forte, inteligente, sagaz, paizão, maridão, amigão, tudo ão... Sensível, enfim, como era chique dizer nos anos noventa, trata-se de uma pessoa colocada. Um artista sensacional, intelectual de peso; cientista político, vanguardista: uma mistura de carisma, polêmica, poesia da melhor qualidade.
Ele é um caleidoscópio de coisas, entre música boa e rara, prosa invejável, um filósofo, uma peça do xadrez vivo. Um brasileiro único... O que dizer de quem compõe Sampa e constrói uma expresão como a que diz que "...és o avesso do avesso do avesso da avesso"? E "de perto ninguém é normal?" E a que mais aprecio: "...é que Narciso acha feio o que não é espelho..." no que ele consegue retratar o pior dos horrores do mundo. A que é a vaidade humana.
Dizem alguns que ele só fala e não faz. Mas quer um fazer maior do que o falar? Ora, os que ouvirem que coloquem em prática, ao seu modo, no seu estilo, no seu gesto. Falando e muito melhor ainda, cantando, ele já faz tudo. Já cumpre a sua parte. Depois disto ele tem o sagrado direito do berço explêndido. Pois o mais difícil é elaborar e parir as idéias que ninguém jamais o faria. Já pensou na sacação da música Uns? A crítica ao capitalismo perverso que ali é feita? E o estrangeiro? E outras palavras? E...? Pena que ele "ainda" NÃO me deu um beijo na boca e NEM me disse...
Uma vez fui a Salvador e de lá tive a venturosa idéia de visitar D. Canô em Santo Amaro da Purificação. E foi sem dúvida, uma das melhores coisas que fiz na vida. Fotos muitas. Uma conversa maravilhosa, muma tranquila tarde de sol, sob mangueiras imensas no quintal do casarão da Viana Senna, entre roupas no varal, tomando aquele suco de maracujá absolutamente indescritível. Falamos de tudo, inclusive ao telefone, com Maria Bethânia. Ela mostrou-me o vestido que fez da "fazenda" que eu havia mandado anteriormente por ocasião dos cinquenta anos do seu filho mais famoso.
Sabe o que andar de mãos dadas com D. Canô pela rua de Santo Amaro, sentindo aquele cheiro forte de leite de colônia que já personaliza a sua pele? E sob os cuidados e latidos da cadela Bonita? É bom demais...
Como muito bem coloca Rita Lee na sua belíssima Homem Vinho, feita especialmente para ele:
"Brindar sozinho, Tua fina Estampa, de Sampa o mais completo tradutor, Voz de veludo, Veloso tem, tem dengo, dengoso tem, sague de bamba pano pra manga/O que é que o Caetano tem, tem fora as asinhas tem, carma de mestre, cabra da peste!"
Salve Caetano!
E o tempo?... Que para ele passa tão lento, como pra mais ninguém. Os filhos, o sorriso rasgado? As composições em inglês. Podem pensar e dizer o que quiserem mas eu sou inteiramente apaixonado por Caetano Veloso. A ponto de comprar e ter comigo a imagem de S. Caetano... Guardada em casa e aguardando a oportunidade de fazer-lhe um presente. E, também, e por que não? De gozar em pó. Se fosse (e é...) o caso... E por que não?
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Antonio da Costa Neto

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

PODE UMA EDUCAÇÃO NÃO SER POLÍTICA?


A Revista Veja, na sua edição semanal 2074 , de 20 de agosto de 2008, trouxe uma instigante e ao mesmo tempo terrível reportagem que defende o tempo todo que a escola e a educação devam ser politicamente neutras. Leia-se tecnicistas, inumanas, desrespeitosas em relação aos direitos das pessoas, ao alcance da cidadania das massas populares. Pois é o que uma "educação politicamente neutra" deseja fazer. Acho isto um duro golpe contra a vida. Pois se é a política e os políticos que tudo definem na sociedade, desde o preço do feijão e do aluguel, como retrata Brecht em seu analfabeto político. Como podem as pessoas aprenderem de forma politicamente neutra? Não ficariam assim alijadas do processo de decidir e das conseqüências diretas que levam para a vida? Formar sem política não é o mesmo que adestrar, mecanizar raciocínios, negar as vontades e incutir, enquanto "educa", uma certa moral escrava?
Sou pela visão de Paulo Freire, aliás, um vulto profundadamente desrespeitado na referida reportagem, por defender a idéia de ser, o ato educativo, eminentemente, político. O que entendo, deva ser, inclusive, tal postura, objeto suficiente para se processar a revista.
Vejo também como ultrapassada a visão contraditória de direita ou esquerda em que a matéria insiste. Algo que muitos nem sabem o que é. E, em última análise, apenas serve para abstrair a questão, esta sim, dos dominadores e dominados. Da elite e das massas oprimidas, dos que definem tudo dentro da esfera do poder. E dos que são, em tese, "educados" para cumprir sem questionar as decisões tomadas para privilegiar os poucos que as tomam, sob a própria ótica.
Educar as pessoas de forma politicamente neutra não é educar. É instruir, doutrinar, na linha de se varrer o lixo social para debaixo do tapete. Dando-se a impressão de que tudo está limpo e vai bem. Quando, na verdade, as agruras se acumulam e os sofrimentos cotidianos continuam a consumir a todos: pobres e ricos, trabalhadores e empregadores. Chegando-se ao caos, à astuta insustentabilidade de nossos dias.
Na dita reportagem há sim a defesa da educação neutra, o que significa educar pelos interesses dos que já dominam. Dos que têm em seu favor todos os instrumentos definidores de políticas, diretrizes e ações que garantem as suas benesses materiais e sociais no cotidiano das suas relações com o mundo. Há milênios de história da humanidade.
Pergunto: Devemos então educar as pessoas para que elas, politicamente neutras dêem continuidade ao mundo que aí está? Para que no futuro definam as políticas econômicas seculares que acabam por gerar o cinturão imenso de misérias em volta do Planeta, com a finalidade de garantir a ganância de pouquíssimos privilegiados? E o crime, não conta? E os revólveres nas cabeças de inocentes incautos nas drogarias da Ceilândia-DF, um ato que inaugura uma nova galeria de métodos de roubar, morrer e matar? Isto também não é fruto de uma "educação politicamente neutra?"
Existe uma citação de Saviani que diz que: "Não é possível ao educador permanecer neutro. Ou educa a serviço dos dominantes ou contra eles. Ou em favor das classes dominadas ou contra elas. Aquele que se diz neutro, estará apenas trabalhando em favor do mais forte, ou seja, da classe dominante. No centro portanto, da questão pedagógica situa-se a questão do poder." Isto de não se misturar política com educação faz parte de um discurso e de um movimento frenéticos para se manter os privilégios do capital, dos ricos, das elites. E já passamos muito do tempo de compreender que isto é o mais absoluto dos atrasos.
Creio que, ao invés de tender para a direita ou a esquerda, a escola não tem que negá-las. Mas atender e difundir ambas as tendências. Vivemos num tempo em que a diversidade de idéias é absolutamente importante no âmbito da formação das consciências. Num momento histórico em que os meios de comunicação de massa são extremamente difundidos em todos os ambientes e que a internet invade as nossas casas. Não há como sonegar ao jovem, ao adolescente, à criança e até ao adulto que estuda, qualquer tipo de informação, tendência, filosofia ou dinâmica do mundo. O aluno precisa sim, é de ter contato com tudo e ser orientado para optar pelo que for melhor para ele. Tomar partido, ser crítico e um agente em potencial na construção da sua própria história econômica, social, política, ética, espiritual, ecológica...
Claro que na matéria em pauta, a Revista Veja trás pontos realmente importantes e com os quais concordo. Mas faz parte da estratégia que os jornalistas tão bem aprendem nas faculdades de comunicação pouco escrupulosas, que os formam justamente para isso. Para saberem enganar com pose e classe. Para escreverem bem o que interessa aos ditames da economia internacional, dos grandes capitais, à revelia da dignidade humana, do ar respirável, da qualidade de vida.
Fiquei estarrecido quando, na própria matéria, soube que os pais se organizam para que a neutralidade da educação de fato, aconteça. A reportagem cita uma Ong de Brasília, denominada Escola sem Partidos que defende com unhas e dentes a neutralidade política da escola, sob o lema de que o papel da educação é o de explicar a matéria, difundir as teorias, organizar os ofícios. Ou seja, o indivíduo tem que aprender e de preferência, muito bem, a apertar o parafuso. Mas é proibido de saber o porque do parafuso. Qual a sua finalidade, e, principalmente, de descobrir métodos novos para apertá-lo como mais eficiência ou facilidade.
Pois, assim agindo, estaria descumprindo dogmas, ordens e vontades de um possível dono e senhor de todas as coisas. E, mais que isso, descobrindo maneiras sustentáveis de garantir o próprio bem-estar enquanto trabalha. E por esta ótica canalha, não podemos ter trabalhadores felizes que irão, logicamente reivindicar a felicidade extra mundo do trabalho. Realmente, é de chorar ouvir ainda falar destas coisas em pleno Século XXI. De onde conclui-se que a humanidade está mesmo perdida. E o que é pior, em todos os sentidos.
As jornalistas da Veja, responsáveis pela matéria, têm o desplante de fazerem a seguinte afirmação sobre Paulo Freire, que aqui compilo com todas as letras, para que não pairem dúvidas: "...as escolas idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização..."
Ora, eu pediria ao leitor que fixe vagarosamente palavra por palavra a partir das aspas aqui citadas. Reflita comigo se não é mais que motivo para colocarmos os responsáveis por esta reportagem no fundo da cadeia? É o mais astuto dos absurdos, para o qual, espero da classe dos educadores deste País um mínimo de vergonha na cara e que não deixe passar impune. Pois se isto acontecer, tenho que concordar com a Veja quando cita veementemente a absoluta barbárie que é a qualidade da educação no Brasil. Uma tarefa, segundo a revista, feita por incompetentes, despreparados e sem a menor condição para exercê-la. Pois esta, foi uma provocação muito além do limite aceitável. Trata-se de um desrespeito aviltante e sem perdão.
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Antonio da Costa Neto
Professor - Pesquisador - Conferencista em Educação.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

SÍNDROME DO MAQUIAVELISMO PEDAGÓGIGO INCONSCIENTE






Existirá algum traço de maldade, desequilíbrio psicológico, fator insano, enfim um maquiavelismo muito forte por trás da formação ou mesmo da profissão do educador? Lembro-me aqui uma drástica citação de Rubem Alves quando diz que: "...cada vez mais eu me convenço. Muitos professores são movidos pelo ódio contra os estudantes. Sua missão não é a de ensinar, orientar, conduzir por caminhos; mas, torturar, humilhar, ferir e fazer sofrer: virtudes de torturadores". Claro que é de arrepiar, mas é isto mesmo. Os propósitos dos comandos estigmatizados pelo capitalismo e que usam a educação e a escola como meios para atender os seus objetivos, são tão fortes que induzem fundo os educadores a esta missão destruidora de egos, deturpadora de sonhos, que nada nem ninguém consegue convencê-lo o educador do contrário. Nem mesmo Deus...

Quanto mais estudo educação, aumento a minha experiência como profissional da área, conheço mais pessoas e troco mais idéias com elas sobre o assunto, mais me convenço disso. No início tenho raiva, às vezes, ódio... Mas no fundo, coitados dos educadores, não sabem e nem desconfiam que a escola foi montada justamente para isso. O seu projeto maior é o de emburrecer, amaciar, no sentido de amortecer as consciências, produzir para a perversidade do capitalismo, consumidores e produtores em potencial. O que significa subserviência, negação da liderança, da crítica, do teor político que sustenta todas as coisas. Educação para alienar, produzir gente boazinha e idiota. E os educadores não sabem que dedicam suas vidas a esta maldade intensa, sem fim.

Tanta gente estudando educação: são cursos e mais cursos. Seminários, eventos, mestrados, doutorados, teses e pesquisas apenas para sofisticar a maldade, aguçar a ponta do ferrão. E os educadores lá, babando, lambendo as botas, sofisticando a escravidão de acrílico a que todos passamos a ser vítmas desde aquele famoso maio de 1 888, lembra? Mas ninguém sabe disso. A educação não deixa saber. É notável como a pessoa piora, esfria enquanto se prepara para ser educador.
Os cursos de licenciatura, a pedagogia, os mestrados e doutorados em educação parecem conter um ingrediente maléfico, a primeira vista inexplicável para fazer com que as pessoas se tornem más, mesquinhas. E pior, não enxergam isso, juram que são justamente o contrário de tudo. Deus me livre, mas os educadores sofrem uma certa lavagem cerebral como uma exigência máxima do currículo: só pode ser educador quem é duro, metódico, parcial: uma máquina enferrujada, em desuso. Na minha longa experiência universitária em faculdades de educação já peguei alunos ótimos, felizes, abertos, humanos, flexíveis, bons, enquanto calouros, iniciantes. E, quando formandos são duros, frios, maus, objetivos, esquemáticos, neuróticos. Passam a sofrer de sérias deformações de caráter, transformam-se em verdadeiros feitores.

A sofisticação da didática se encarrega de esconder, de aparar as arestas. A grande maioria das Faculdades de Educação, verdadeiros redutos de profissionais mal-resolvidados, não-amados, confusos e obscuros se prontifica a fazer o resto. Daí se aprazem os órgãos afins do governo, as instituições particulares de ensino, os sindicatos e associações de classe. E a coisa vai de mal a pior e assim sempre.

Numa recente entrevista para trabalhar como professor de uma faculdade, a coordenadora do curso no final me saiu com essa: - "Acho que teremos dificuldades, professor, porque você é uma pessoa muito inteligente. E gente inteligente é muito problemática". E, claro, não me contratou. Ou seja o espaço universitário é reservado para a burrice, a mediocridade acadêmica propulsora de maldades profundas contra seus alunos, os futuros profissionais que vão construir este país. E o mesmo se repete com os colégios, as escolas de educação infantil, a educação...

É proibido pensar em métodos ou fórmulas que aliviem os sofrimentos dos alunos. Que os motivem a estudar, a aprofundar seus conhecimentos, a discutir e a produzir ciência para melhorar a vida. Temos sim, que obedecer aos rígidos limites da ABNT, a partir do princípio de que se a margem, por exemplo, não tiver aqueles centímetros rígidos, então a traça não come. Pois a leitura, esta que nunca existe, independe da margem e de todo um conjunto de exigências toscas com as quais os professores assassinam seus alunos durantes semestres inteiros e, no final, ninguém sabe nada mesmo.

Por que as escolas continuam sendo estes covis da evidente falta de ética, de caráter, de bom-senso, de vontade política de acertar, de modificar as coisas, de melhorar o mundo? Por que os professores e professoras são tão pérfidos, mesquinhos, excessivamente burocráticos? Imbecis mesmo. Julgam-se tão preparados, cheios de diplomas. Mas são desprovidos de malícia, de dignidade, de amor, de senso, de verdades. É pra isso que servem as escolas? Até quando vamos continuar assim? Doentes. Vítmas deste maquiavelismo pedagógico inconsciente e ajudando a destruir a vida, os sonhos, as alegrias? De que lado estamos? O que querem afinal os educadores além de seus salários ridículos e das suas condições de trabalho muito mais que medíocres? Na exata proporção do (des)serviço asqueroso que prestam às sociedades, às crianças, à vida...

Estaremos dormindo ou mortos? Haverá tempo para ainda acordarmos vivos?

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Antonio da Costa Neto

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

AS MAIS BELAS MENTIRAS...






A última do Governo Federal, que associado à Fundação Getúlio Vargas e ao IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - ambos subordinados a ele - é fazer-nos engolir que a pobreza diminuiu drasticamente, com um aumento significativo das classes média e alta, por meio de uma grandiosa verticalização da economia, como fruto da ação eficiente do Governo Lula e seus comparsas. Ainda bem que fomos criados acreditando na Carochinha, em Papai Noel e que a Cegonha é quem traz os irmãozinhos para a mamãe. Ainda bem mesmo, caso contrário os quase duzentos milhões de brasileiros se rebelariam contra tanta mentira, tanta esculhambação.
Meus amigos petistas - pode acreditar, ainda os tenho - querem me convencer que se trata da minha posição altamente crítica de decepção com este governo, embora saiba que tivemos alguns avanços. Sutis e delicados, mas avanços. O caso não é este. É que a brutal desconexão do que dizem e a realidade à minha volta, além de não me deixar acreditar, ainda me causa uma espécie de calafrio na espinha. E aprendi que a verdade dos fatos é a que conta e ela é que deve servir de parâmetro para analisar o que dizem as palavras. E ainda mais se elas não parecerem assim tão confiáveis.
Em função do meu trabalho, tenho viajado bastante nos últimos tempos. E por todos os cantos que tenho andado, quer nos rincões do sertão ou nas grandes metrópoles, a situação e a penúria têm sido exatamente as mesmas: as pessoas desesperadas, temerosas, se protegendo contra os novos e sofisticados métodos de violência, perdendo seus empregos e com muito pouca esperança.
Gostaria muito de ouvir falar que as coisas estão, de fato, mudando para melhor, com menos pedintes nas ruas, redução do tráfico e da violência, as pessoas sem dependerem das bolsas-esmolas que que o Governo prefere dar a tocar nos bolsos dos ricos, dos importantes, dos políticos bem pagos para moldarem as mentiras que nos contam e as falácias em que desejam que acreditemos, de preferência, piamente. Mas o que vejo é justamente o contrário: aumento de pobres e carentes, violência galopante, desasistência do Estado inoperante gerando o caos na saúde, na educação, no saneamento, na qualidade de vida.
Consegui guardar alguns trocados, e na condição de classe média alta, pelas contas do governo, quis comprar um pequeno lote, como forma de investimento. Fiquei de cara, fui ridicularizado pelas imobiliárias, saí de mãos abanando. Mas continuam afirmando que os pobres estão adquirindo a casa própria, que os apartamentos populares estão sendo altamente vendidos. Mas onde? Na lua? Pois é o único lugar que eu poderia especular com vistas a aplicar meus minguados picuás num pequeno imóvel para ter alguma segurança no futro, na velhice que se avizinha.
Eu nunca vi este País numa situação tão delicada, tão grave, quase desesperadora. Bom está para o PT, pois, "quem nunca comeu melado, quando come..." Eles estão rindo àtôa e balançando as ridículas panças, claro.
Mas já passa da hora de transcendermos este conjunto de inverdades, este rol de enganação barata, este crime silencioso cometido todos os dias contra todos nós, contra o povo brasileiro já tão sofrido. As Olímpiadas vêem aí e com elas, as medalhas que o Brasil, certamente, até pelo jugo manipulador ganhará muitas. Muito ouro e muita prata para reluzir bem mais que as mentiras que nos contam. Já estamos num clima no qual o esporte é mais importante que tudo. Que os mitos-atletas abarrotam suas contas de dinheiro na mesma proporção em que a platéia torce, pula, esbraveja para esquecer a fome. E daqui há pouco vem a Copa do Mundo, o BBB, o carnaval, as novelas que aí permanecem... É, estamos realmente perdidos...
É preciso que os "Crianças Esperanças" sejam calçados pela verdade por uma programação da Rede Globo que promova, durante o ano todo: a criança, os pobres, as mulheres sofridas, e não, justamente o contrário. Pois esta senhora rede de televisão vive justamente de sugar, de espezinhar a economia, a qualidade de vida das pessoas para vender barato o pão e o circo, como na muito antiga Grécia., pagando milhões para seus artistas loiros, arianos... Que pena que o Brasil não evolui, que os brasileiros não crescem. Que continuamos tão bobinhos, a ponto de não duvidar de nada, não questionar nada.
Pobres de nós que continuamos aí pagando sempre a mesma conta. Sofrendo de todos os males. À espera do horror nosso de cada dia. Quem sabe, amanheçamos desconhecidos e nos transformemos em celebridades. Ainda que banhadas de lágrimas. É só continuarmos acreditando nas mentiras, nas mais belas lendas que nos contam.
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Antonio da Costa Neto

ÉBANO















Este é o ÉBANO,
a pessoa que eu mais
amo. Minha paixão.
Ele é um príncipe e o nome completo dele é:
JOÃO BOSCO BANÃO CHEROSO MUITO BONITOSO
DA COSTA NETOSO FÉLIX LEITÃO.
Sua Alteza, Banão Cheroso!!!!

sábado, 2 de agosto de 2008

LIBERTANDO A ALMA DA EMPRESA: como transformar a organização numa entidade viva. Resenha do livro de R. Barrett, feita por Antonio da Costa Neto.




Quem acha que tem as mãos bastante cheias com planilhas de custos, curvas de vendas, fluxos de caixa e índices de rentabilidade, ainda não viu nada. Muito depois da reengenharia, da qualidade total, do downsizing, etc. etc. etc. chegou a vez da empresa...espiritual. Sem brincadeira! Além do malabarismo de sempre para produzir e comercializar com eficiência, eficácia e efetividade. Ganhar, reter mercados e assegurar a saúde financeira da empresa, os executivos do terceiro milênio terão de aprender a cuidar, também, da alma da organização. Alma? Isso mesmo!
Aquela dimensão capaz de contribuir para o bem comum. E isso não é apenas para se alinhar com uma sociedade cada vez mais politicamente correta. Ser uma empresa do bem, atenderia, de quebra, aos interesses mais egoístas de sucesso. Seria a nova chave para prosperar e não, pura e simplesmente, sobreviver.
Quem faz a alerta e quer colocar as empresas no divã (ou no confessoinário?) é Richard Barrett, em Libertando a alma da empresa: como transformar a organização numa entidade viva. Ex-diretor do Banco Mundial, em nome do qual organizou, em 1995, a primeira Conferência Internacional sobre Ética, Valores Espirituais e Desenvolvimento Sustentável. Barrett, comanda hoje uma das mais conceituadas consultorias internacionais sobre liderança e administração. E, antes de descartá-lo como mais um mago passageiro, um Paulo Coelho da gestão, vale uma espiada na sua estrelada lista de clientes, que inclui potências como Ford, Ericsson,Blue Shield e Kraft, só para exemplificar.
A premissa do livro é consistente. Barrett parte da constatação de que com conhecimento e tecnologia fluindo facilmente por fronteiras internacionais, a única maneira de construir verdadeira vantagem competitiva daqui para a frente será por meio do capital humano, conquistando sempre níveis mais elevados de criatividade e produtividade. Mas como conseguir isso? No paradigma atual da administração, habituada a ver a empresa pela ótica exclusiva de números e índices, a resposta seria mais controles, melhorias de processos, benefícios atraentes e bônus milionários para atrair talentos.
Na perspectiva de Barrett apoiada em estudos de outros autores consagrados, tal visão estaria desfocada porque entende a empresa como máquina e ignora a sua dimensão humana. Teria se tornado também eficaz já que possibilita, no máximo, pequenos avanços e mudanças, quando o que se exige é quase uma revolução.
Para ele, a única alternativa atual realmente eficiente e eficaz para construir a desejada competitividade e assegurar a perenidade das organizações é entender que empresas não existem apenas para produzir bens e serviços. São comunidades de pessoas, entidades vivas. Para liberar seu potencial máximo seria preciso, portanto, “liberar sua alma”. Ou seja, construir uma cultura corporativa baseada na participação e valores compartilhados, no qual as pessoas encontrem não apenas recompensas materiais, mas realização pessoal, e, principalmente, significado no trabalho, e na qual elas possam transcender a busca imediatista do pão ou do luxo de cada dia em nome de uma contribuição para o bem comum.
Parece utópico demais? Mas só assim, alega Barrett seria possível alcançar, em vez de mudanças pontuais, o patamar da transformação profunda, evolução e inovação permanentes, sem as quais qualquer empresa, no ambiente competitivo de hoje, está com os dias contados. “Não se trata de fazer as coisas de modo diferente”, diz ele, “mas de fazer coisas novas e radicalmente diferentes”. Neste viés, o lucro deixaria de ser o foco imediato e prioritário. Na empresa regida por valores éticos, voltada para a excelência nos processos e nas relações com funcionários, clientes, fornecedores e a comunidade, lucro é decorrência, medida do sucesso inevitável.
Entre os profissionais, a competição cederia lugar à cooperação. No lugar do medo e da cultura rígida que pune o fracasso, surgiria uma cultura de confiança, que encoraja o risco, no qual o erro é celebrado como oportunidade de crescimento e de aprendizado.Ou seja, o erro é mais uma experiência louvável: eminentemente pedagógica.
Anotou tudo? Mas tem mais. Não existem fórmulas fáceis para atuar nesta dimensão humana das empresas. Para transformar as organizações é necessário antes, transformar as pessoas, a começar pelos líderes que deveriam começar abandonando as práticas tradicionais de gestão, como hierarquia, autoridade, controle e punição, em favor de uma nova concepção de líder visionário, estrategista, crítico e facilitador.
Henry Ford, entre muitos, ficaria de cabelo em pé com um discurso desses. Mas Barrett recheia sua pregação com exemplos convincentes. Argumenta que as mais bem sucedidas empresas do momento são justamente as que estão migrando para o novo paradigma. E assegura não ser coincidência o fato de que justamente as melhores empresas para trabalhar com prazer, dignidade, autonomia e bem-estar de todos estarem entre as que apresentam os resultados financeiros mais atraentes.




sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A ÁGUIA QUE QUASE VIROU GALINHA




Rubem Alves

A idéia desta história não é minha. Meu é só o jeito de contar. Sobre uma águia que foi criada num galinheiro e foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de botar ovos, de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiros. E como todo aprendizado exige um esquecimento, ela desaprendeu o vôo nas alturas, o ar puro da montanha, a vista se perdendo no horizonte, o doce sentimento de liberdade... E como ninguém lhe falasse sobre estas coisas e todas as galinhas cacarejassem os mesmos catecismos, ela acabou por acreditar que não passava de uma galinha com perturbação hormonal. Tudo grande demais. Aquele bico curvo, sinal certo de acromegalia e desejava muito que o seu cocô tivesse o mesmo cheiro certo do cocô das galinhas.
Um dia passou por lá um homem que vivera nas montanhas e viu o vôo orgulhoso das águias.
- O que faz você aqui? Ele perguntou.
- Este é o meu lugar, ela respondeu. Todo o mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, ciscam o chão, botam ovos e finalmente viram canja. Nada se perde, tudo se transforma, utilidade total.
- Mas você não é galinha, ele disse. É uma águia!
- De jeito nenhum. Eu nem sequer voar sei. Pra dizer a verdade, nem quero. A altura me dá vertigem. É mais seguro ir andando passo a passo.
E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem não mais agüentando aquela coisa triste de uma águia transformada em galinha, agarrou a águia à força e a levou até o alto de uma montanha, atirando-a bruscamente lá de cima do abismo. A pobre água começou a cacarejar de terror, voando rasteira em bruscos zig-zags. Mas depois, pouco a pouco, com tranqüila dignidade, esticou o pescoço para cima e para frente e começou a plainar bela, confiante e cada vez mais alto, até fundir-se no azul do firmamento. Aí ela compreendeu enfim que seu nome não era galinha, mas águia.
Esta história foi escrita na África, um profeta dizendo aos seus seguidores:
- Vejam a que estado os brancos nos reduziram, águias que andam como galinhas. É preciso aprender a voar de novo.
Mas eu senti que era muito mais que isso. E comecei a ver por todos os lados, águias exploradas e humilhadas, felizes por ciscar a terra e comer milho. E nesta coisa que chamam lar, de chinelo, de pijamas, bob na cabeça e os mesmos cacarejos milharescos longe do ar frio das montanhas. Também as escolas que se especializaram nesta curiosa metamorfose de transformar as águias em galinhas para que nunca falte canja.
E os pais se rejubilam quando a magia chega ao fim. E as águias solitárias que são sempre perigosas e imprevisíveis recebem seus diplomas galináceos. Agora são iguais como todos os demais. Podem arranjar seus empregos, botar seus ovos e chocar seus filhos até o glorioso momento de serem transformadas em canja.
...E as águias acabam por perceber que o seu tempo já passou.
E-mail: antoniocneto@terra.com.br


SOBRE CIGARRAS E FORMIGAS



Era uma vez um grande Reino só de cigarras e formigas. As formigas eram muitas, bem mais do que as cigarras e estas, por sua vez, se julgavam mais fortes, bonitas, mais capazes, espertas, inteligentes, preparadas e trataram então de estabelecer as leis, as regras e normas para a vida cotidiana do Reino. E tudo parecia caminhar bem. Enquanto as cigarras habitavam suas casas enormes e muito confortáveis, cercadas de imensos jardins, lagos e cachoeiras, as formigas se amontoavam como podiam em pequenos buracos, onde famílias inteiras se ajeitavam nas noites de frio, depois de comerem as poucas folhas que sobravam dos lautos banquetes das cigarras-patroas.
Como começavam a acontecer alguns problemas em relação à enorme população de formigas. E já faltavam comida, escolas, remédios, diversão e outras coisas importantes. As cigarras resolveram formar uma Assembléia Geral e lá elaboraram um novo estatuto – um conjunto de leis e princípios constitucionais. Para continuar garantindo a paz, a serenidade , o conforto material e o ambicionado exercício do poder, e, lógico, pelo menos para elas, as cigarras, é claro.
As crianças formigas passaram a ser encaminhadas para as escolas das cigarras-professoras que eram cuidadosamente preparadas para repassarem as lições que elaboravam para o bom funcionamento do Reino. As formiguinhas achavam estranho, mas chamavam aquelas cigarras de Tias e cumpriam religiosamente todos os deveres que elas estabeleciam. E ficavam a cada dia, mais bobinhas, mais obedientes e submissas e nem se davam conta disso. Aos domingos, a quase totalidade das formigas e algumas cigarras desocupadas iam para as sinagogas onde eram catequizadas para ganharem o céu onde cigarras muito boazinhas iriam garantir que elas tivessem toda a alegria depois que partissem do Reino.
Elas ditavam o valor dos salários, o preço das coisas; administravam ao seu bel-prazer o dinheiro suado com que as formigas pagavam suas dívidas infinitas, os pesados impostos para sobreviverem ainda que miseravelmente. E, meio que por milagre, as cigarras estavam sempre mais ricas, cada vez mais bem vestidas, vistosas e elegantes. E as formiguinhas comendo pouco, se vestindo mal com o pouco dinheiro que ganhavam. Sempre tendo que trabalhar mais, descansar menos, aumentando drasticamente o sofrimento delas.
Assim, dia-a-dia, as cigarras iam ficando muito mais poderosas, donas de estabelecimentos comerciais, fábricas, escolas, ongs e sei lá mais o que. Onde as formigas eram obrigadas a trabalhar dia e noite. Retirando dali seu mísero sustento, esperando eternamente o tempo em que viveriam em paz sob a proteção daquelas cigarras boazinhas que só faziam o bem para todos.
Certa noite muito fria um bando de formigas quase morto de fome e frio resolveu assaltar um supermercado onde abundavam casacos, cobertores e toda a sorte de comidas. A guarda das cigarras reagiu , houve troca de tiros e infelizmente a formiga atingiu a cigarra que acabou morrendo. Foi um escândalo total. Só se falava no tal crime, o que levou as cigarras a se reunirem de imediato, e, sem muita discussão decretaram a pena de morte para todo e qualquer crime cometido pelas formigas que, afinal de contas, se tratava de seres minúsculos, de composição pouco complexa; bichinhos miseráveis e desprezíveis, sem a menor graça ou importância e que não fariam a menor falta, já que eram tantas.
No dia da execução da formiga criminosa todos se reuniram na praça para a grande festa. Como a ela estava magrinha, morreu fácil, fácil. E por toda a noite foi um grande carnaval para comemoração de cigarras e formigas. Pois afinal, estavam acabando o crime. Fazendo justiça e logo tudo se resolveria. Mas novos assaltos, crimes envolvendo formigas pobres, faveladas, pretas, estranhas, prostitutas, assassinas, adolescentes, drogadas, analfabetas continuaram a acontecer. Pois estas, famintas e desempregadas tinham de arranjar formas de alimentarem suas famílias. E claro, sempre acabavam presas, condenadas, executadas e mortas, com novas comemorações e novas festas.
Assim o Reino começou a ficar uma beleza; um grande silêncio. Sem formigas para sujar as ruas, depredar os prédios públicos, e, principalmente, cometer os assaltos e assassinatos terríveis e horripilantes. As escolas estavam vazias, os parques sem ninguém e então começou a faltar quem lavasse as preciosas roupas das cigarras. Quem limpasse suas casas, cozinhasse e passasse para elas. Quem trabalhasse para que a economia do Reino pudesse crescer e depositarem o lucro em suas contas no exterior, fazer passeios luxuosos, comprar iates, ilhas, apartamentos e mansões.
E se não tinham mais formigas, a quem as cigarras iriam explorar? Quem iria votar nelas para mantê-las no comando do Reino que parecia agora ser só de cigarras? De quem elas iriam confiscar as poupanças, cobrar os impostos de renda, sobre o trabalho, o consumo, o produto e impor pesadas taxas e multas? A quem elas iriam governar?
Desesperadas elas convocaram uma Nova Assembléia para destituir a pena de morte. Pois, senão, o Reino desapareceria em breve e elas não poderiam mais manter aquela vida cheia de luxo, prazeres e ostentação. E embora fosse sexta-feira e chovia bastante, todas as cigarras constituintes compareceram. Levando um discurso afiando e muito comovente, na ponta da língua. O plenário ficou lotado e continuou os trabalhos noite adentro, sem a menor demonstração de sono ou cansaço. Pois o assunto era da maior importância e dele dependeria a sobrevivência das cigarras-autoridades, suas famílias, suas castas e dependências.
Por fim, foram unânimes em abolir imediatamente a pena de morte, sob os auspícios do sagrado direito à vida e da responsabilidade de se defender com toda compaixão e o mais puro dos sentimentos e o sagrado direito à vida. Era preciso preservar a população de formigas, a quem as cigarras bondosas, honestas, sinceras e justíssimas, democraticamente representavam. E, para isso, inclusive, ganhavam altíssimos salários e tinham garantidas suas condições de vida, liberdade, conforto, segurança. Sendo, portanto, muito bom para elas. Que tudo fariam para se preservarem naquela situação privilegiada.
Tarde demais, não existiam mais formigas. Agora era um Reino só de cigarras. Só de autoridades. Desesperadas, enlouquecidas, humildes, piedosas e com os olhos rasos d’água começaram a trocar entre si, culpas e acusações. Procurando, sem esperanças ou perspectivas, alguma solução para o caos que tardiamente se instalara. Depois, em função da gravidade da situação, sentaram e começaram a realizar um grande planejamento para a nova fase de vida que, obrigatoriamente, começaria a partir dali.
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Antonio da Costa Neto


antoniocneto@terra.com.br