sexta-feira, 15 de abril de 2011

"Todo mar tem um farol. E uma solidão imensa." (Guttemberg Guarabyra)

NÓS, OS ASSASSINOS DO REALENGO




Estamos todos estupefatos com a frieza, a crueldade, a... não sei o quê, do Wellington Menezes de Oliveira, o tal executor do crime que barbarizou o Brasil e o mundo, quando invadiu uma escola pública do bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, matando 13 crianças e ferindo outras tantas, algumas, até gravemente. Claro que é um crime horrível, único, singular, nojento, mais do que abjeto. E até hoje, quando relembro cada uma das cenas, meus olhos se enchem de lágrimas, sinto náuseas, repugnância, algo inexplicável.

Mas concordo com Frei Betto, quando diz, no Correio Braziliense, que as condições e os males que levam uma pessoa a executar este tipo de crime, não têm geração espontânea. Mas nascem de uma sociedade degenerada, iníqua, irresponsável que condena a todos: as crianças e até o próprio Wellington, à condição de vítimas. Não só do crime na sua exatidão, mas do complexo conjunto de coisas que o fazem acontecer. Banalizando a morte, a dor, o profundo sofrimento das crianças, de suas famílias, amigos, vizinhos. Em suma, muita gente sofrendo com a realidade dos fatos, inclusive, os mais inocentes e incautos, retirados tão cedo da vida.

Gostaria de abrir aqui um outro leque da discussão. Este rapaz apenas executou um crime planejado, pensado e montado friamente por todos nós. Os brasileiros: uma sociedade falsamente democrática, com uma educação inumana, uma economia estrangulada, uma competição sem precedentes. E ainda, neste caso específico, com uma família fria, má, egoísta, insensível, uma cultura animalesca, etc. etc. E, como em toda organização formal, quem executa é o menos importante: os engenheiros - profissionais que pensam - vêem bem antes dos pedreiros que colocam a mão na massa - os que fazem. Os idealizadores são mais importantes, bem pagos, reconhecidos. Os estilistas, não costuram suas roupas, mas ganham a fama e os milhões com o sucesso delas, enquanto os que as fazem permanecem à margem de tudo. Apenas trabalhando por trás das câmeras, o que se repete pelo infinito.


Assim, a meu ver, neste caso, tal fenômeno também se repete. E, digamos, se o Wellington saísse vivo deste inferno todo, antes de prendê-lo teríamos que colocar na cadeia um bando de educadores omissos, seus colegas malignos e irresponsáveis, sua família adotiva que sempre o rejeitou, chutou, considerando-o um doente, um esquisito, um marginal. Uma pessoa sem a menor chance na vida. Teríamos que condenar, talvez, antes de tudo, um governo que não estabelece políticas públicas sérias para cuidar de seus doentes mentais. Dentre os quais este rapaz se incluía e que deveria estar sob cuidados especiais e humanizados, como cidadão brasileiro que era, e , tinha por direito, sim, dos cuidados com a sua saúde, de forma integral e gratuita. Mas, enquanto isto, o que temos é um governo positivista ao extremo, que prefere se preocupar com olimpíadas, com copas do mundo de futebol e o que o valham. Tamanha a indignidade na qual todos vivemos e sobre a qual, ninguém ousa fazer nada. Pelo contrário, preferimos condenar e excluir quem tenta fazê-lo.

Achei, por exemplo, um horror quando o ator Dan Stulbach, do programa Saia Justa - aliás, maravilhoso - da rede GNT, quando ele rejeitou, de maneira até pouco gentil, a possibilidade de se entender até o assassino também como vitima que é. Inclusive, literalmente, uma vez que, como as crianças, também saiu morto no final da história. Gostaria de lembrar ao senhor Dan Stulbach, de quem sou grande fã da sua produção artística e da sua atuação como ator, que é muito simples acharmos que é frescura o choro de fome dos pobres quando temos a nossa barriguinha bem cheia. E se ele, o Dan, não tivesse a família maravilhosa que tem, a sua história de vida, educação, estudo, dinheiro, profissão, sorte, formação, amigos, admiradores e espiritualidade, talvez ele estivesse no mesmo lugar do condenado, e, quem sabe, fazendo a mesma coisa. É fácil julgar a pedra, quando estamos na condição de vidraça. Mas também, é, muito bom, experimentarmos a situação contrária.

Só quem sabe o que é a dor da depressão, do abandono, da marginalidade neste mundo maluco e nestas selvas de pedra que são as nossas cidades é que pode, de alguma forma, entender e relevar, com amor e alguma dose de perdão, alguém que chega a tal limite. Quem pode descrever a dor solitária deste rapaz ao longo de toda a sua vida? Onde está uma conjuntura séria de controle de natalidade, para que a sua mãe biológica esquizofrênica, fosse devidamente orientada para não ter filhos ou se os tivesse, pudesse receber as condições psicológicas, afetivas e materiais para criá-los com amor, dignidade, suficiente educação, lazer, saúde física e mental? Se ele era um doente, onde estão os meios e condições para se tratar? Afinal, nós somos ou não somos um país em plena evolução? E se assim o é, estas coisas ainda são possíveis ou isto pode ser considerado como o maior dos absurdos?

Hoje, só sobra para o Wellington Menezes o ódio de todo o mundo e uma cova de indigente numa zona dos imundos cemitérios populares para se enterrar os ninguéns. O que é uma grande pena e a forma mais segura de dar continuidade a este tipo de história, que nada mais é do que o fruto desta imoralidade nacional que resolvemos chamar de cultura brasileira. O estilo de viver de um povo digno, solidário, mas igualmente, criminoso, cruel, omisso e covarde. Wellington, como todos nós mereceria sentimentos, justiça, uma mão para aconchegar, um sorriso doce que nunca recebeu, talvez, de ninguém. Algum reconhecimento e ser tratado como pessoa e não como um animal estranho, mal-cheiroso e evitável a qualquer custo. Alguém nascido para a marginalia, um instrumento para provar que nós, os outros, somos melhores, humanos e dignos de viver em paz.


Mas, infelizmente, é isto que somos todos nós, querendo ou não: os assassinos do Realengo. Direta ou indiretamente responsáveis pela execução desta barbaridade. O que podemos não ter é inteligência, visão e sensibilidade para perceber a nossa inegável parcela de culpa. E, pior ainda, como Judas, negando, omitindo a nossa responsabilidade contundente. E programando, a continuação desta saga de horror e medo, com a nossa inegável hipocrisia de cristãos bonzinhos. Que, desde que não corra sangue dentro de nossas casas, teremos a oportunidade de mostrar a nossa falsa solidariedade, que nada mais é do que o externar do medo, uma espécie de covardia e de, simbolicamente, nos proteger da possibilidade de sermos vitimas em potencial.

Fora isso, acharemos é graça. Pois, no fundo, nós adoramos a desgraça alheia. E com ela, venderemos jornais, revistas, daremos palestras e faremos sucesso na internet, demonstrando assim a nossa artificial superioridade, principalmente, em relação ao Wellington, aquele porco imundo, um criminoso a ser lembrado com ódio e asco. Todos nos aproveitamos de oportunidades raras como esta. Deste tipo de coisa que acaba sendo, no final das contas, uma espécie de mal necessário para que possamos viver a desventura de sermos brasileiros, merecedores do aplauso e da admiração do mundo que se dobra aos nossos pés. Pelo nosso exemplo de solidariedade, certezas, resistências. Pobres de nós.


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Antonio da Costa Neto

quarta-feira, 13 de abril de 2011

"Cada um está preso à sua consciência como a sua própria pele. " (Schopenhauer)


Cântico Negro

José Régio

‘Vem por aqui»

— dizem-me alguns com olhos doces,

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: «vem por aqui»!

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)

E cruzo os braços, E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:

Criar desumanidade!

Não acompanhar ninguém.

Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por ai! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,

Por que me repetis: «vem por aqui»?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,


Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós

Que me dareis impulsos,

ferramentas, e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?...

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,

Tendes jardins,

tendes canteiros,

Tendes pátrias, tendes tetos,

E tendes regras, e tratados,

e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: vem por aqui!

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou,

- Sei que não vou por aí!

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ANTOLOGIA POÉTICA José Régio – Edições Quasi - Lisboa – Portugal - 2001
"Não trocaríamos mais nenhuma palavra com a maioria dos nossos melhores amigos se ouvíssemos o que eles falam de nós em nossas ausências."

(Arthur Shopenhauer)

CHIC MESMO, POR GLORINHA KALLIL


Nunca o termo "chique" foi tão usado para qualificar pessoas como nos dias de hoje. A verdade é que ninguém é chique por decreto. E algumas boas coisas da vida, infelizmente, não estão a venda. Elegância é uma delas! Assim, para ser chique é preciso muito mais que um guarda-roupa ou closets recheados de grifes famosas e importadas.

Muito mais que um belo carro importado. O que faz uma pessoa chique, não é o que essa pessoa tem, mas a forma como ela se comporta perante a vida. Chique mesmo é quem fala baixo. Quem não procura chamar atenção com suas risadas muito altas, nem por seus imensos decotes e nem precisa contar vantagens, mesmo quando estas são verdadeiras. Chique é atrair, mesmo sem querer, todos os olhares, porque se tem brilho próprio.

Chique mesmo é saber reconhecer e respeitar quem quer fazer as coisas por você e para você. É saber que só quem faz ou quer fazer é que incomoda, tumultua, provoca desordem. E saber conviver, enfrentar e superar o conflito e a desordem é muito mais que chique. Ainda mais no mundo de hoje. Popularmente se diz que não se faz omeletes sem quebar ovos, sem criar rupturas, e até certo ponto, dor e desconforto. Neste ponto, chegamos ao limite máximo. E a única saída é reconhecer com amor aqueles que querem fazer e não, excluí-los sumariamente. O que é muito mais que necessário. O mundo não pode mais esperar. Ou enfrentamos as mudanças seus conflitos, seus contornos, ou sucumbiremos todos num muito curto espaço de tempo. Mais importante do que ser chique no que se vê, é ser chique no que se pensa e no que se faz.

Chique mesmo é ser discreto, não fazer perguntas ou insinuações inoportunas,nem procurar saber o que não é da sua conta. Chique mesmo é parar na faixa de pedestre e evitar se deixar levar pela mania nacional de jogar lixo na rua. Chique mesmo é dar bom dia ao porteiro do seu prédio e às pessoas que estão no elevador. É lembrar do aniversário dos amigos.

Chique mesmo é não se exceder jamais! Nem na bebida, nem na comida, nem na maneira de se vestir. Chique mesmo é olhar nos olhos do seu interlocutor. É "desligar o radar" quando estiverem sentados à mesa do restaurante, e prestar verdadeira atenção a sua companhia. Chique mesmo é honrar a sua palavra, ser grato a quem o ajuda, correto com quem você se relaciona e honesto nos seus negócios.

Chique mesmo é não fazer a menor questão de aparecer, ainda que você seja o homenageado da noite! Mas para ser chique, chique mesmo, você tem, antes de tudo, de se lembrar sempre de o quão breve é a vida e de que, ao final e ao cabo, vamos todos retornar ao mesmo lugar, na mesma forma de energia. Portanto, não gaste sua energia com o que não tem valor, não desperdice as pessoas interessantes com quem se encontrar e não aceite, em hipótese alguma, fazer qualquer coisa que não te faça bem. Lembre-se que o diabo parece chique, mas o inferno não tem qualquer glamour! Porque, no final das contas, chique mesmo é ser feliz. E só se pode ser feliz quando se produz novas felicidades.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Não há nada mais sensato a fazer, do que soltarmos as mãos do trapézio. Talvez saiamos voando. A vida não tem sentido, se não for para dar saltos, voar, correr riscos."


(Antonio Prata)

SIMPLESMENTE, CANÔ


CANÔ

Visitei Sua Majestade,

Canô em Santo Amaro e desde então fiquei,

para sempre, purificado.

É impossível ser o mesmo

depois de assistir de perto aquele riso.

De andar pela casa, pelo quintal,

por entre varais cheios de roupas e brisas

fresquinhas, puras, encantadas.

Tocar na sua louça e tomar o suco,

o néctar de maracujá,

que nunca vi igual, feito só para as divindades,

(das quais fui a exceção, felizmente).

A cachorra chamada Bonita.

Nicinha rindo simpática.

Conversa boa e pura olhando fotos

e fazendo comentários entre risadas meigas,

como um coro-riso-de-anjos.

Café e aquele abraço terno como um toque de almas

que se unem e transbordam.

Vestida de branco com flores em alto relevo

que se amontoam sobre os ombros

e descem pelos braços

como se fossem cachoeiras de encantos.

Brancura e o frescor do leite de rosas

já impregnado na pele,

vindo de dentro,

complementando o verbo encantar.

Fazendo parte do espírito, da alma,

que só poderia ser linda, cintilante e perfumada.

Ave Canô!

Uma espécie de Maria,

parideira de flores, estrelas e esperanças.

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Antonio da Costa Neto

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"Aqueles que temem a vida já estão praticamente mortos." (Bertrand Russel)

MINHA TIA VIROU TIETA

Minha tia ainda era moça

e se dobrava sobre o tanque para lavar a roupa.

Se balançando suada sob o sol causticante das tardes de junho.

E eu, de frente, baldeando a água do poço

pelo sarilho do balde

e ficava olhando aqueles peitos maduros e robustos

como duas cidras enormes no ponto de virarem doce.

Eu parava e ficava estático olhando.

Era impossível não imaginar coisas... e loisas...

Minha tia desconfiava, ria sem graça,

disfaçava e limpava a espuma da mão na vasta saia de azul claro,

com enormes rosas vermelhas, amarelas, botões e folhas verdes.

Ela ia por ali se espreguiçando lentamente

(como quem queria fazer... nada, deixa pra lá!)

e, como eu, imaginando coisas.

Lembro que eu me animava e enchia os tanques,

os baldes, as latas.

O trancelin de ouro, enfeitava os peitos dela

com uma medalha enorme do Sagrado Coração...

Que pecado!...

Minha tia lia Jorge Amado

e queria que eu fosse para o Seminário ser padre.

É, ela sonhava mesmo era em ser uma Tieta,

não do Agreste, mas do sertão goiano.

Minha tia era doida para provocar escândalos.

E ouvia as conversas alheias, atenta.

Com as mãos na cintura

e os olhos enormes feito melancias.

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Antonio da Costa Neto